Resenha: A Noite Devorou o Mundo

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"Um artista é alguém que vê a guerra antes de ela se manifestar aos olhos de todos e que sobrevive."

A Noite Devorou o Mundo de Pit Agarmen, publicado no Brasil pela editora Rocco, é uma obra fascinante. Um escritor francês passa seus dias quase invisível. Com poucos amigos, uma ex-namorada/esposa por quem ainda nutre sentimentos, uma carreira não tão bem sucedida como gostaria, ele espera pela sua grande chance, quando todos os males que o mundo lhe causa sumirão e ele conseguirá ser feliz.

No dia 8 de março, esse escritor vai à uma festa na casa de uma amiga casada que ele deseja secretamente. Na festa, ele tenta se enturmar algumas vezes, mas sem sucesso. Acaba indo dormir em um dos cômodos da casa da moça, que fica no terceiro andar de um prédio em Paris. O problema é que quando ele acorda, algo está diferente. A vida como ele conhecia ficou para trás da noite para o dia. É o apocalipse zumbi. Sangue por toda parte. Pedaços de corpos aqui e lá. Lá embaixo, no bulevar, só resta o caos. Sobreviventes tentam enfrentar os novos inimigos, apenas para acabarem mortos ou transformados.

O livro se desenrola basicamente como um monólogo, os diálogos são escassos. Em cada capítulo, o escritor de romances água com açúcar descobre um novo jeito de encarar esse novo mundo, que cada vez mais parece ter sido sua salvação. Ele já não sofria pela ex, não temia ficar sem dinheiro, não se preocupava em levar a vida como todo o mundo. Só sentia falta daqueles que mais amava: seus pais e seus melhores amigos. Todos os meios de comunicação foram cortados pouco tempo depois do apocalipse ter começado. Ele teve que aprender a viver sem nada: sem água encanada, sem eletricidade, sem eletrônicos, sem descarga... Por sorte, ele tem vários cadernos e canetas por perto, mantendo sua escrita. Um diário sobre sua vida passada que já não faz sentido, como uma terapia. Depois de um tempo, engata em um de seus romances.

No começo, tudo que ele sentia pelos zumbis lá fora era nojo e desprezo. Matava alguns com um tiro na cabeça sempre que podia, com armas que tinha encontrado no apartamento. Porém, com o passar dos meses, entendeu que aquelas criaturas o tinham libertado de um padrão, de uma vida vazia onde ele nem sequer era o protagonista. Ele sempre atribui sua sobrevivência à falta de azar que teve desde pequeno, como se nem os zumbis estivessem interessados em matá-lo. "Que ironia: tive a sorte de ter tido um azar maldito desde o nascimento".

Esse livro mostra claramente uma visão misantrópica do mundo, onde o ser humano é o maior e talvez único culpado por todas as coisas ruins. Desde que a raça humana praticamente desapareceu, a poluição cessou, as plantas crescem mais bonitas, a cidade parece mais iluminada. É nessa falta de existência humana que o escritor se descobre, finalmente percebe que existe e que não é insignificante.

Eu sei que a maioria não gostará de uma leitura aparentemente pessimista e obscura, mas eu tentei olhar para cada página como uma lição. Nós somos o verdadeiro problema. Estamos nos destruindo todos os dias, tentando ser superiores as custas dos outros, poluindo o mundo e as mentes por toda a parte. Acabaremos com o mundo e nem sequer conseguimos perceber isso. Enquanto não percebermos o mal que causamos e mudarmos, o mundo sofrerá e a natureza acabará achando um jeito de se livrar daquilo/daqueles que a faz miserável.

"O mundo nos ensina a dor, a tristeza e o medo. E, como somos bem-educados, incorporamos tudo isso, fazemos disso a nossa vida. É necessário que aprendamos a não ser bons alunos. A alegria e a felicidade são belas porque procedem da desobediência. Isto é viver: aprender a desobedecer."

Nota: 5 estrelas de 5. (nota máxima)

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